domingo, 14 de novembro de 2010

Minha diarista é pós-industrial

Liliane é uma paraense que esta ensinando sua família a ser pós-industrial mesmo sendo diarista; trabalha por que gosta e consegue viver do seu jeito e ser feliz ao mesmo tempo. Depois de meu período sabático em 2007 no sul da Itália junto ao escritor do livro Ócio Criativo, o sociólogo Domenico De Masi, voltei a Brasil convicto que poderia manter as coisas que eu fazia na Itália e ainda transformar as formas de trabalho e vida de minha esposa, visto que ela é também um mente-de-obra.

Depois de algum treinamento intensivo Fernanda, minha esposa conseguiu compreender que as coisas prazerosas podem ser feitas juntamente com o trabalho; que o trabalho pode virar algo que lhe gere conhecimento e informações ao mesmo tempo que pode ter um tempo menor do que estamos acostumados. Então, depois de algum tempo a compreensão se manifestou na prática e hoje ao invés de ser dominada pelo relógio e pelas ocupações enfadonhas Fernanda antede seus alunos de Língua Inglesa de acordo com a demanda e com as possibilidades, tanto deles, quanto dela. O mais interessante é que trabalha menos, se estressa menos, aprende mais, se relaciona melhor e para completar, ganha mais do que ganhava antes, quando trabalhava em franquias ou escolas. Pode ainda utilizar seu tempo livre para fazer pilates, cuidar do filho, levar a cachorra na petshop e fazer naturologia.

Parece fácil não é mesmo? Que nada! levei alguns meses para fazer com que deixasse a escola e entendesse que a vida é curta e precisa ser aproveitada ao máximo; e, que o espaço de trabalho não existe mais, que tempo é algo realmente relativo, como já dizia aquele cara da língua de fora do do cabelo arrepiado. Mas se desvenciliar das amarras de uma mesa para sentar, de um chefe para cutucar e de uma horário para cumprir é complicado. os sociólogos poderiam chamar isto de alienação.

Agora o que eu não esperava era que Liliane nossa diarista fosse industrial sem mesmo ter lido uma linha de Domenico De Masi, Ricardo Senler ou qualquer outro autor que fale sobre trabalho pós-industrial. Quando fizemos o nosso contrato de trabalho, dissemos: você pode chegar perto das 7h30m e ficar até a hora que terminar o trabalho e se quiseres te damos uma carona antes de deixar o pequeno no colégio, que fica por acaso perto da sua casa. Não precisa vir aos sábados e quando precisarmos combinamos antecipadamente quando é necessário ficar mais ou menos tempo, almoça conosco.

Coisa boa não é mesmo?. O pior é que pensamos que ela não iria aceitar, pois quando se fala em não ter horário para chegar, se fala também em não ter horário para sair. Ela aceitou e começamos então a vigorar o nosso contrato.

Chega cada dia em um horário diferente, mas sempre antes das 8 da manhã. Faz todo o trabalho e volta e meia esta pronta antes de nós para sairmos para a escola do João Vitor. Trabalha em outros lugares sem nada fixo para completar a renda. É apaixonada pelos nossos animais de estimação e chama nosso filho de filho. Cuida da casa que é um beleza e adora cozinhar. Faz aquilo com um prazer danado. Escuta música, canta e limpa que é um espetáculo.  Faz escambo, por que troca com as suas patroas sua faxina pro produtos de beleza e esta sempre "embonecada". Muitas vezes ouvimos ela ao telefone conversando com sua família e dizendo que está feliz, que trabalha pouco, ganha para viver bem e conta que tá fazendo até academia.

Seus irmão volta e meia lhe dizem que este trabalho não é trabalho. Aqui tá a peça chave. Entendemos trabalho como algo penoso, que desgasta, cansa e tortura. Alguns realmente são assim, mas cabe ao sujeito criar um modelo mental que possa alterar sua atitude frente a ação laboral.

É o que Liliane faz. Precisa trabalhar, não é letrada, mas tem sabedoria e consegue entender que quanto melhor for a sua faxina, quanto mais organizado for o guarda-roupas do cliente, mas ela pode cobrar e menos precisa trabalhar. Uma lógica simples e que se vincula ao profissionalismo e a excelência na prestação de serviço. Imaginemos se Liliane tivesse a oportunidade de ler o Ócio Criativo. Melhor nem pensar, senão perderia a nossa diarista, que virou mensal.

Aquela percepção de um lugar para sentar e colocar o casaco nos dias de frio tende a cada dia acabar. O tempo de trabalho como eram classificados pelos autores de lazer e recreção, dividindo-o em trabalho e tempo livre, creio que não vai mais existir.

Fernanda e Liliane não sofrem de estresse, L.E.R e demais doenças da aceleração. Seus chefes que 99% são seus clientes entendem se chegarem atrasados por causa do trânsito ou por que o filho ou sobrinho ficaram doentes.

Dizia dia destas a meus alunos: Quando alguém é excelente em sua profissão, ou seja faz melhor que os demais, todos entendem e relevam alguns atrasos, faltas e coisas do gênero, por que se sabe que será difícil achar um outro cérebro ou serviço do mesmo nível. Agora quando se é igual aos demais, não tem jeito não; terás que bater o ponto e muitas vezes ficar esperando a hora passar para ir para casa.

A formula é simples. Excelência e visão de que tudo isto que vivemos é transitório.

2 comentários:

  1. ... e quando é só a gente que pensa desta forma dentro da empresa, o que se faz?

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  2. ...mas muitas empresas não percebem a exelência de seus profissionais e sim as rotinas do dia a dia, como vc destacou a dominação do relógio.

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